quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Resenha do livro Alienígenas na sala de aula de Tadeu Silva



SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.) Alienígenas na sala de aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

Os ensaios As Culturas Negras e Silenciadas no Currículo de Jurjo Torres Santomé, Cultura Dominante, Cultura Escolar e Multiculturalismo Popular de Claude Grignon e Currículo e Identidade Social: Territórios Contestados de Tomaz Tadeu da Silva fazem parte da obra “Alienígenas na Sala de Aula: Uma Introdução aos Estudos culturais em educação” de Tadeu Silva. Esses autores criticam o currículo escolar que por muito tempo serviu de ferramenta para reprimir as culturas que são pautadas na diversidade, nos mostrando as intencionalidades subjacentes em tais currículos, bem como algumas formas para torná-lo democrático. 

Sabe-se que o currículo sempre foi alvo de atenção dos que buscavam entender e organizar o processo educativo escolar e durante o estudo da obra de Santomé percebe-se que o mesmo busca compreender o currículo dentro de sistema de ensino. Em seu trabalho o referido autor trás os seguintes subtemas; As culturas das Nações do Estado Espanhol, As Culturas Infantis e Juvenis, As Etnias Minoritária ou Sem Poder e Respostas Curriculares Diante da Diversidade e da marginalização. 

O autor faz uma reflexão sobre a elaboração do currículo discutindo sobre a necessidade do mesmo possibilitar aos alunos (as) o desenvolvimento de suas potencialidades e que os mesmos exerçam a capacidade de viver criticamente em sociedade. Assim, em seu estudo sobre as culturas negadas e silenciadas no currículo o autor afirma que uma das finalidades da intervenção curricular é preparar os (as) alunos (as) para serem críticos. Logo, um projeto curricular emancipador, destinado aos membros de uma sociedade democrática deve encaminhar os princípios de procedimento que permitem compreender e sugerir processos de ensino e aprendizagem, conforme as experiências dos sujeitos sociais. 

No entanto, para que os alunos tenham uma aprendizagem fortalecida voltada para a prática democrática é necessário que a escola elabore o currículo que contemple práticas pedagógicas que valorizem e fortaleçam as identidades de gênero e raças. Entretanto, na prática está realidade tem sido muito diferente, por isso, em seu discurso o referido autor denuncia o currículo como um mecanismo de constante desvalorização de determinados quadros culturais, alertando para a necessidade de perceber a perigosa tensão entre os valores que preparam as pessoas para a cidadania e para o mundo do trabalho. 

Santomé chama a atenção para as culturas negadas e silenciadas em sala de aula afirmando que a cultura ou vozes dos grupos sociais minoritários ou marginalizados por não dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas. E entre as culturas cita algumas, como: as culturas das nações do Estado espanhol; as etnias minoritárias ou sem poder; a sexualidade lésbica e homossexual, entre outras. Assim, percebemos como os currículos se afastam das questões complexas do cotidiano, da representatividade de grupos heterogêneos. 

A partir desta análise, Pode-se afirmar que as práticas curriculares infelizmente ainda reproduzem o saber de um grupo dominante que manipula o conhecimento e os saberes. Entretanto, consideramos que o planejamento do currículo deve levar em conta os conteúdos culturais, a socialização crítica dos indivíduos, a reconstrução das realidades e as múltiplas singularidades. 

 O autor também faz uma crítica ao adultocentrismo que nega a criança o conhecimento de seus diretos e deveres. Nessa fase a criança é considerada como ingênuas e inocentes não existindo muitas vezes uma valorização da cultura da mesma. Verifica-se que as crianças não são percebidas como sujeitos ativos capaz de produzir cultura e que a própria escola não reconhece o papel da criança dentro da sociedade.

Para Santomé a escola deve considerar e reconhecer em seus programas as formas culturais da infância e da juventude. Com isso, a escola que tem a missão de formar cidadãos e cidadãs ativos e críticos não deve ignorar os conhecimentos e valores culturais que a criança e o jovem valorizam. Porém, o autor ainda afirma que “os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma grande imparcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena.”. 

Santomé afirma, que a discriminações de gênero e raça ainda continuam sendo percebidas na sociedade brasileira e refletidas na instituição escolar. Para o autor 
Os discursos e práticas racistas são o resultado da história econômica, social, política e cultural da sociedade na qual são produzidos. São utilizados para justificar e reforçar os privilégios econômicos e sociais dominantes. A raça é, pois, um conceito bio-sócio político. (p.168-169) 

Pode-se dizer que os currículos escolares pecam seriamente quando estabelecem e legitimam uma cultura em detrimento de outra, como diz Santomé. Diante desta falha percebe-se que existem numerosas formas através das quais o racismo aflora no sistema educacional de forma consciente ou oculta. Contudo, a escola precisa reconhecer que seu papel é o de contribuir para que os alunos possam reconstruir a cultura que a sociedade insiste em apresentar como “certa”.

Para concluir seu discurso o autor chama atenção da política educacional que pretende recuperar as culturas negadas, enfatizando que para haja esta recuperação a instituição não pode se restringir à sua discussão uma vez ao ano, reduzindo se a unidades e lições isoladas, a exemplo das datas comemorativas. Essas são importantes e precisam ser lembradas, mas tais temáticas necessitam percorrer todo o ano letivo. As culturas silenciadas devem estar presentes nas atividades escolares, nos recursos didáticos, nos planejamentos, nas reuniões dos docentes, enfim em todo coletivo escolar. 

No capítulo oito, Grignon pontua que a diversidade é uma das principais características das culturas populares. Entretanto, tal diversidade, relacionada aos ofícios e usos locais característicos de diferentes comunidades, às maneiras distintas como vêem o mundo, e compreendem a si mesmas, é vista, pela cultura dominante como uma deformação à qual é necessário depurar em nome de uma uniformização disciplinadora. Um dos espaços eleitos para que se pratique esse trabalho de “organização” é a escola. A diversidade das culturas populares, porém, segundo Grignon, é, além de característica e identitária, uma forma de resistência:
Essa diversidade tende, sem dúvida, a reduzir-se em parte, [...] sob a ação da escola; mas continua sendo uma das características essenciais através das quais as culturas populares se opõem às culturas dominantes. Como assinalou Max Weber, essas últimas se caracterizam, na realidade, por uma tendência profunda à uniformização da vida, que em nossos dias se manifesta através do interesse do capitalismo pela padronização da produção. (p.178)

Em um quadro resumido, Grignon procura, assim, traçar alguns elementos dessa dicotomia entre as culturas dominantes e as populares, opondo elementos característicos das primeiras – como o expansionismo, a amplitude de mercado (Economia-mundo), a utilização da ciência, a cultura técnica teórica, a temporalidade cronometrada –, a aspectos próprios das culturas populares, tais como o isolamento, a economia de base doméstica (à margem do mercado) e a ajuda mútua, a habilidade manual, a cultura técnica prática e o tempo medido pela duração das tarefas. Nessa oposição, também se encontraria, com importância, no conhecimento popular, a predominância do oral, contrastando com a predominância do escrito dos saberes dominantes. E pela fala particular que os saberes locais sobrevivem por gerações e, ao mesmo tempo, identificam os diferentes grupos.

Por isso, o conhecimento popular não pode, para Grignon, ser visto como homogeneidade absoluta. Ele é múltiplo, altera-se conforme as prática e os valores de cada grupo, embora a sociedade burguesa e o mundo globalizado, subtaxando-o como um só, tentando uniformizá-lo, busquem incorporá-lo e, assim, apagá-lo em todas as faces de sua alteridade como um grande e invariável desvio do padrão, do “mesmo”, da cultura letrada. Para Claude Grignon, esse seria uma dos papéis da escola: a condução ao monoculturalismo. Através de um ensino “legitimista” de leitura e escrita, a escolarização obrigatória teria sido, para o teórico, o “principal agente da imposição da língua nacional e do desaparecimento das línguas regionais e dos dialetos locais”, abrindo-se à diferença apenas para a difusão de uma língua internacional dominante, como, atualmente, é o inglês. Nesse jogo: 
O sentimento escolar de correção, as sanções que penalizam a ‘falta’ de língua, têm também como resultado inibir a expressividade dos alunos procedentes das classes e grupos dominados, ao mesmo tempo em que acreditam na idéia de sua inferioridade no que se refere ao pensamento abstrato [...]. 

Vinculado a isso, o ensino das matemáticas e dos cálculos, por exemplo, na “integração lógica” que pretende a escola em nome de um saber universal, formaria um todo articulado, estabelecido mediante uma noção de tempo moderna e sistematicamente planejado em conformidade a uma ética do dinheiro e da produtividade. A lógica dos conhecimentos exatos, contrariamente à suposta imparcialidade numérica, estaria a serviço de uma noção que, embora inconsciente e ideologicamente compartilhada por todos, é “uma construção culta e reservada em princípio a uma elite”:

Pode-se dizer que a escola tende espontaneamente ao monoculturalismo. Por meio da transmissão, que continua sendo socialmente muito desigual, dos saberes de alcance e de pretensão universal, reduz a autonomia das culturas populares e converte acultura dominante em cultura de referência, em cultura padrão. A escola não quer ver nas culturas populares mais que culturas no sentido antropológico do termo, e isso na melhor das hipóteses; e paralelamente reforça, ao mesmo tempo em que oculta, a relação que a cultura culta mantém com a cultura dominante. 
Grignon propõe, assim, a necessidade, na escola, de uma pedagogia relativista, que seja “capaz de admitir e de reconhecer o multiculturalismo, isto é, a existência de culturas diferentes da cultura culta, legítima, dominante” (p.186), formalizada, sobretudo, pelo texto escrito, e que não se negue a acolher a autonomia simbólica das culturas populares, tratadas sempre de maneira negativa, “em termos de faltas”, defeitos em relação à norma. Lutando contra o etnocentrismo da escola “meritocrático-legitimista”, que “não conhece o livro de outras regras gramaticais, não sabe lê-lo, na realidade ignora até sua existência”, Grignon pretende que não se estabeleça na escola a injusta supremacia das culturas dominantes, cujos pressupostos passam pela negação de valor às origens das crianças das classes populares. 

Por fim Silva, em seu ensaio sobre o currículo e a identidade social, salienta que devemos observar o currículo em suas ações e em seus efeitos, por que para ele 
“As narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais, Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo...” (p.195) 

Ou seja, a maioria dos conhecimentos que formam o currículo não são condizentes com a realidade da sociedade, mas fazem parte de uma construção teórica sobre o que deveria ser a realidade, assim o que os estudiosos fizeram foi tomar os contexto histórico por base para criarem discursos que determinassem os conhecimentos que deveriam ser considerados como válidos para sociedade. Deste modo, o contexto histórico social se relaciona com o surgimento do estudo da teoria curricular pelo poder do discurso em tornar real as ideologias da classe dominante, no caso da teoria tradicional – que buscava controlar o processo educativo para interesse próprio, ou aos questionamentos da teoria crítica, que buscavam a transformação radical.

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